quinta-feira

"Para a minha Bebé Rara"

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Fernando António Nogueira Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1888, às 15 horas e 20 minutos, no quarto andar esquerdo do n.º 4 do Largo de São Carlos em Lisboa, de frente para o Teatro de São Carlos.

Foram seus pais Maria Magdalena Pinheiro Nogueira, natural da ilha Terceira, nos Açores, de vinte e seis anos, e Joaquim de Seabra Pessoa, natural de Lisboa, de trinta e oito anos.

Com eles viviam a avó paterna, Dionísia, já doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emília.

Foi baptizado a 21 de Julho na Igreja dos Mártires, no Chiado. Foram seus padrinhos a tia Anica, irmã da mãe, e o general Chaby.

Nascido no dia de Santo António, foi baptizado com os dois nomes do santo lisboeta: o de baptismo, Fernando (no mundo, o nosso franciscano chamou-se Fernando de Bulhões), e o de eleição dentro da Ordem, António.

Começou a escrever com quatro anos.

Em Janeiro de 1893, nasce o seu irmão Jorge. A 13 de Julho do mesmo ano, falece em Lisboa Joaquim de Seabra Pessoa, pai de Fernando Pessoa, com 43 anos de idade, vítima de tuberculose. Fernando Pessoa tinha cinco anos.

Em 2 de Janeiro do ano seguinte, falece o seu irmão Jorge.

Entretanto sua mãe, Maria Madalena, conhece o comandante João Miguel Rosa, futuro cônsul de Portugal em Durban, com quem virá a casar.

A 6 de Janeiro de 1896, Fernando Pessoa e a sua mãe, acompanhados de um tio-avô, o tio Cunha, partem com destino a Durban. Viajam no navio «Funchal» até à Madeira e depois no paquete inglês «Hawarden Castle» até ao Cabo da Boa Esperança.

Em Fevereiro é inscrito na escola de religiosas irlandesas St. Joseph, de Durban, onde o ensino era ministrado em inglês.

A 27 de Novembro nasce a sua meia-irmã Henriqueta Madalena.

Em 1897 faz a instrução primária na escola de freiras irlandesas da West Street (alcançando a equivalência de cinco anos lectivos em apenas três). No mesmo Instituto fez a primeira comunhão. Nesta altura já dominava perfeitamente a língua inglesa.

A 22 de Outubro de 1898 nasce a sua outra meia-irmã, com o nome inverso da primeira, Madalena Henriqueta.

Chega ao fim da escolaridade primária em 1899. Em Abril ingressa no liceu Durban High School, onde permanece durante três anos, revelando-se um dos melhores alunos do seu curso.

Em Junho passou para o ciclo superior (Form II, A). No fim do ano, recebeu o prémio de distinção, general excellence.

Surge Alexander Search, autor de poemas ingleses.

Em Janeiro de 1900, é admitido no terceiro ano do liceu (Form III); obtendo o primeiro prémio de francês. A 11 de Janeiro nasce o seu meio-irmão Luís Miguel. Em Dezembro foi admitido no quarto ano (Form IV).

A 12 de Maio de 1901 escreveu o seu primeiro poema inglês conhecido: Separated From Thee, treasure of my heart, elegia romântica sobre o tema da ausência da mulher amada.

Em Junho foi aprovado com distinção no seu primeiro exame, o «Cape School Higher Certificate Examination». No dia 25 do mesmo mês morree a sua irmã Madalena Henriqueta.

Escreve as primeiras poesias em inglês.

Dia 1 de Agosto, parte com a família para Portugal para um ano de férias.

No mesmo barco, o paquete alemão «König», seguia o corpo da irmã falecida.

Em 17 de Janeiro de 1902 nasce, em Lisboa, o seu meio-irmão João Maria.

Em 5 de Maio, nos Açores, escreveu o primeiro verdadeiro poema português conhecido: "Quando ela passa", elegia certamente inspirada pela morte de Madalena.

Escreveu poemas, ensaios e contos em inglês e em português.

Com o primo, mais ou menos da mesma idade, fundou um "jornal diário" manuscrito, intitulado «A Palavra», de um só exemplar, com a data de 15 de Maio de 1902.

No fim de Maio a família fica a residir na Av. D. Carlos I, n.º 109, 3.º Dt.º

A 18 de Julho foi publicado n' «O Imparcial» de Lisboa a poesia "Quando a dôr me amargurar...", glosa sua a uma quadra de Augusto Gil. É considerado o primeiro texto publicado por Pessoa, que na altura contava 14 anos.

Em Setembro Fernando Pessoa voltou sozinho para a África do Sul no vapor alemão «Herzog». Em Durban, em vez de retomar os estudos clássicos no liceu, inscreveu-se na Commercial School, onde seguiu os cursos nocturnos, preparando ao mesmo tempo o exame de admissão à Universidade, e continuando a ler e escrever em inglês.

Tentou escrever romances em inglês.

Com data de Julho de 1903, Fernando Pessoa projecta lançar um periódico mensal intitulado «O Palrador». Num caderno escolar encontra-se um esboço da sua primeira página, com grande profusão de directores, todos eles avatares do próprio Pessoa. O Director Literário é Pedro da Silva Salles, o Artístico é Alberto Ruy da Costa e assim por diante, havendo o Redactor, o Secretário de Redacção, o Administrador e os Directores Charadístico, Humorístico, das Histórias Curtas, da Secção de Sport, das Secções Restantes e das Caricaturas!

Num caderno registou, dia a dia, entre Abril e Novembro, os livros que ia lendo de autores tais como Thakeray, Júlio Verne, Chesterton, Lombroso, Grasset, Guerra Junqueiro, Albino Forjaz de Sampaio, Byron, Keats, Weber, Espronceda, Molière, Voltaire, Tolstoi, Schopenhauer, Foitillée, Shakespeare, Aristóteles, Cousin, Funck-Brentano, Ribot e Silva Passos, entre outros

A 6 de Agosto anotou que não leu nenhum livro nessse dia: "demasiado ocupado a pensar". Projectos de obras. Queria fundar uma revista.

Escreveu vários poemas, em inglês, como Song of the obscure, inspirado por Milton e The Atheist, talvez influenciado pela Velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueiro.

Em Novembro fez o exame de admissão à Universidade do Cabo da Boa Esperança («Matriculation Examination»). Obteve uma classificação relativamente baixa, mas foi-lhe conferido, entre 899 candidatos, o prestigioso prémio «Queen Victoria Memorial Prize» pelo melhor ensaio de estilo inglês.

Para preparar o exame, estudou Shakespeare, que colocará acima de todos, Milton, Addison e Steele, bem como numerosos poetas ingleses

Inventou o charadista A. A. Crosse, em nome do qual chegou a concorrer a concursos de charadas em jornais londrinos.

A 20 de Fevereiro de 1904 recebeu uma carta da Universidade do Cabo comunicando-lhe que obtivera o Prémio de Memória à Rainha Vitória, o Queen Vicloria Memorial Prize, por ter apresentado, no referido exame de admissão, o melhor Ensaio de Inglês, segundo a expressão da carta. O prémio constava de uma selecção de livros, a escolher pelo próprio premiado, no valor de 7 libras, sobre as quais se deveriam deduzir no entanto os custos do envio pelo correio.

Escreveu poesia e prosa em inglês. Surgiram os «heterónimos» Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher.

A 9 de Julho é publicado no "The Natal Mercury", de Durban, o poema Hillier did first usurp the realms of rhyme..., com o pequeno com texto introdutório I read with great amusement..., sob o «heterónimo» de Charles Robert Anon.

A 16 de Agosto nasce a sua meia-irmã Maria Clara.

Em Dezembro publicou no jornal do liceu o ensaio intitulado Macaulay. Fez o «Intermediate Examination» na Universidade do Cabo, exame de fim do primeiro ciclo de um ano nos estudos universitários de Letras (Arts"), ficando em primeiro lugar.

Com este exame terminavam os seus estudos na África do Sul.

Em Agosto de 1905 partiu sozinho e definitivamente para Lisboa, a bordo do vapor alemão «Herzog», confiado aos cuidados de um oficial de bordo, a fim de matricular-se no Curso Superior de Letras. Tinha concorrido a uma bolsa para prosseguir os estudos universitários na Inglaterra, que não obteve.

Em Lisboa ficou algum tempo em casa da tia-avó Maria Cunha, em Pedrouços, e depois foi viver com a tia Anica, irmã da mãe, e seus filhos, na Rua de São Bento, n.º 19, 2.º Esq.

Continuava a escrever em inglês, mas lia cada vez mais autores franceses e portugueses. Sob a influência do general Henrique Rosa, redescobriu a literatura do seu país. Lia Baudelaire, Verlaine e Mallarmé, mas também os poetas portugueses contemporâneos, principalmente Cesário Verde, de quem se sentia próximo.

Em Outubro de 1906 a mãe e o padrasto voltaram a Lisboa para passar seis meses de férias e Fernando foi viver com eles e os seus irmãos na Calçada da Estrela, n.º 100, 1.º. Foi também neste mês que começou a frequentar a Faculdade de Letras.

Em 11 de Dezembro morreu, em Lisboa, a sua irmã Maria Clara.

Todo esse ano iria ser consagrado à leitura: filósofos, poetas, dramaturgos, ensaístas. Escreveu também muito, de forma ainda um pouco desordenada, em inglês.

Sob o estímulo das lições de Silva Cordeiro e de outros professores do Curso Superior de Letras, Fernando Pessoa começa a escrever páginas de reflexão filosófica. Nos primeiros textos, datados precisamente de 1906, redigidos em inglês, Pessoa interroga-se em especial sobre os problemas do Ser, do Nada, da Realidade, do Infinito, da Sensação, do Erro, da Verdade, etc. Estas páginas de pensamento e de meditação metafísica, muito analíticas e interrogativas, prosseguem até 1935. António de Pina Coelho reuniu estas páginas, nos dois volumes de Textos Filosóficos.

Em Maio de 1907, tendo a família regressado a Durban, foi viver com a avó Dionísia e duas tias-avós maternas na Rua da Bela Vista à Lapa, n.º 17, 1.º.

A 8 de Maio, o chefe do governo, João Franco, instaurou a ditadura. Foi a partir desse momento que Fernando Pessoa começou a apaixonar-se pela política interna portuguesa, já muito agitada nesse fim de reinado. Pessoa odiava João Franco.

O Curso de Letras é um fracasso, porque não corresponde ao que o poeta esperaria dele. Discorda dos seus métodos, da sua orientação, da atitude dos seus professores. Aliás, é um dos principais promotores de uma greve de estudantes provocada por uma das medidas de força de João Franco. Por sua livre iniciativa ou por ter sido expulso da Faculdade, abandonou definitivamente os estudos para se consagrar à literatura.

Passava por um estado depressivo, do qual tentaria escapar pela psicoterapia e pela ginástica sueca...

Lia os filósofos gregos e alemães; os decadentes franceses; e o livro «que destrói parte de toda esta influência»: La Dégénérescence («Entartung») de Max Nordau. Daí viria a retirar certas ideias que exprimirá cinco anos depois, nos primeiros ensaios publicados.

Em Junho escreveu o conto macabro A Very Original Dinner, assinado por Alexander Search.

Em Agosto morreu a avó Dionísia deixando-lhe uma pequena herança. Tendo visto num jornal que estava à venda uma tipografia em Portalegre, a Ibis, Tipografia Editora, com o dinheiro recebido da herança, desloca-se a esta cidade a fim de comprar a tipografia para a montar em Lisboa, a qual instalou na Rua da Conceição da Glória, 38 e 40, a «Empreza Ibis – Typographica e Editora. Officinas a Vapor», primeira etapa para a criação de uma editora.

A tipografia foi um fracasso total, mal chegou a funcionar. Depressa vai à falência, perdendo Fernando Pessoa o que lhe restava da herança da avó Dionísia.

A 21 de Setembro, deprimido, escreveu, com pseudónimo, a um dos antigos professores e a um dos antigos companheiros de Durban, para pedir-lhes o testemunho sobre a saúde mental do adolescente que eles conheceram.

A 2 de Outubro, em nome de Alexander Search, fez um pacto com o diabo, em que se comprometia, paradoxalmente, a praticar o bem por toda a vida.

A saída para a crise que enfrenta surgiu-lhe naturalmente. Utilizando os conhecimentos adquiridos na Escola Comercial de Durban e sobretudo o domínio da língua inglesa, começa a ganhar a vida como correspondente comercial nesta língua, escolhendo ele próprio as suas horas de trabalho, sem sujeição a empregos e horários fixos. Era o que verdadeiramente estava de acordo com o seu temperamento e lhe podia dar a liberdade necessária para aquilo que realmente o interessava: a criação literária.

Arruinado no próprio ano em que fez vinte anos, 1908, recusou, porém, ofertas de emprego bem remuneradas. Decidiu ser "correspondente de línguas estrangeiras", ou seja, encarregar-se da correspondência comercial em inglês e em francês, num escritório de importações e exportações da Baixa, zona citadina onde se concentravam as actividades de negócios e onde a partir dessa altura se irá desenrolar essencialmente a vida diurna. Vai exercer essa profissão em várias casas comerciais até morrer.

No dia 1 de Fevereiro são assassinados o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, na Praça do Comércio. Sobe ao trono D. Manuel II, com dezoito anos de idade.

Pessoa foi viver sozinho na Rua da Glória, n.º 4, r/c. No mesmo ano, mudou-se para um quarto alugado no Largo do Carmo, n.º 18, 1.º. Vai viver sozinho por dez anos, até ao regresso da mãe, mudando muitas vezes de residência.

Em Setembro, três anos após o regresso a Portugal, Fernando Pessoa recomeçou a escrever poesia na língua materna, da qual dirá que é sua pátria.

Numas notas autobiográficas fala da influência que sobre a sua poesia tiveram Antero, Junqueiro, Cesário Verde, António Nobre, Garrett e António Correia de Oliveira. O intelectual com o qual confrontava estas experiências poéticas era o general Henrique Rosa, irmão do seu padrasto, homem de cultura.

Começou a escrever os primeiros fragmentos do Fausto, "tragédia subjectiva" em que irá trabalhar a vida toda sem conseguir acabá-la.

Em 1909 lê Garrett, António Correia de Oliveira e António Nobre; embrenha-se nos simbolistas franceses e descobre Camilo Pessanha. Escreveu poesia em inglês, sob os «heterónimos» de Alexander Search e de Charles Robert Anon, e em português.

A 5 de Outubro de 1910 dá-se a proclamação da República em Portugal.

Em 1911, a convite de um editor inglês, Mr. Killoge, que se propõe publicar uma antologia dos grandes autores universais em língua portuguesa, Fernando Pessoa passa grande parte deste ano a traduzir poetas e prosadores ingleses para a nossa língua. O editor convida-o a ir com ele a Inglaterra, para o ajudar na preparação da edição. Pessoa recusa-se, indicando em seu lugar um velho amigo, Armando Teixeira Rebelo.

O Partido Republicano Português dividiu-se em muitas facções, entre as quais a mais radical era o Partido Democrático, dirigido por Afonso Costa. Depois de João Franco, será ele o homem que Pessoa mais vai detestar.

Já em 1912, levado pelo general Henrique Rosa, Pessoa frequentava os cafés literários de Lisboa e neles encontrava jovens poetas, entre os quais aquele que se tornaria no seu mais íntimo amigo, Mário de Sá-Carneiro. Pertenciam todos, mais ou menos, ao movimento saudosista. Mas eram igualmente sensíveis ao neo-simbolismo de Camilo Pessanha.

Estreia literária como crítico: em Abril publicou m' «A Águia» o artigo A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada.

Em Outubro Sá-Carneiro partiu para Paris e matriculando-se na Sorbonne. Deste recebe, a 20 de Outubro, a primeira da longa série de cartas que lhe enviará até à sua morte em 1916. Sá-Carneiro censura-lhe o não se dar a conhecer como poeta.

Em Novembro publicou, em três números seguidos d' «A Águia», o ensaio A Nova Poesia Portuguesa no seu Aspecto Psicológico.

Mudou-se para uma casa da tia Anica, na Rua de Passos Manuel, n.º 24, 3.º Esq.°.

Em Janeiro de 1913 escreveu os primeiros poemas esotéricos (Além-Deus e Abdicação).

Continuava a sentir-se ligado à Renascença Portuguesa e publicar colaboarações n' A Águia, contudo começava a exprimir um certo distanciamento crítico em relação aos homens da Águia, pois tinha um convívio diário com rapazes da sua geração, um debate de ideias diferente. Lisboa era um meio mais cosmopolita do que o Porto, estes rapazes, como Sá-Carneiro ou Santa-Rita Pintor, traziam ideias novas de Paris, as correntes mais modernas e inovadoras começam a repercutir no seu espírito. A pouco e pouco, ia-se definindo o grupo que mais tarde iria estar ligado ao movimento do Orpheu, como Mário de Sá-Carneiro, António Ferro, Almada Negreiros e Ponce de Leão. O Martinho e as duas Brasileiras, a do Rossio e a do Chiado, são os cafés mais frequentados.

Em 29 de Março escreveu o poema Impressões do Crepúsculo, que vai estar na origem do movimento "paulista", pós-simbolista e decadente.

Em Maio escreveu em inglês seu primeiro poema erótico, Epithalamium.

Na Águia publicou o famoso artigo sobre As caricaturas de Almada Negreiros, que inaugura a amizade entre o poeta e o artista, também poeta.

A 23 de Junho, Sá-Carneiro retornou provisóriamente a Lisboa.

Em 21 de Julho, Pessoa escreveu um poema esotérico intitulado Gládio, que utilizará vinte anos depois na Mensagem com o título D. Fernando, Infante de Portugal, dando-lhe sentido nacionalista.

Em Agosto foi publicado em A Águia o primeiro texto poético em prosa, Na Floresta do Alheamento, apresentado como fragmento "do Livro do Desassossego, em preparação". Pessoa vai trabalhar nesse livro toda a vida, sem poder acabá-lo. Irá atribuí-lo ao "semi-heterónimo" Bernardo Soares.

Em 11-12 de Outubro escreveu, em 48 horas, O Marinheiro, "drama estático" em prosa.

A 22 de Novembro iniciou a sua colaboração no semanário «Teatro» de Boavida Portugal.

Em 1914, coleccionou e traduziu para inglês, a convite de um editor de Londres, 300 provérbios portugueses. Publicou na revista «A Renascença», de Lisboa, número único, Pauis e Ó Sino da Minha Aldeia, sob o título único de Impressões do Crepúsculo. Começava a desenvolver-se o «paulismo». Escreveu um pequeno texto sobre a quadra popular (ele e outros como Mário de Sá-Carneiro, João de Barros, Augusto Gil, Afonso Lopes Vieira ou João Lúcio), para o Missal de Trovas, de António Ferro e do seu futuro cunhado Augusto Cunha.

Sá-Carneiro regressa a Portugal.

8 de Março de 1914: «dia triunfal» da sua vida; surgiu Alberto Caeiro e escreveu os poemas do Guardador de Rebanhos. Quase em resposta a Caeiro, o «ortónimo» escreveu a seguir os seis poemas de Chuva Oblíqua, texto-chave do Interseccionismo, transposição literária do cubismo. É também deste período o aparecimento de Álvaro de Campos.

Em Maio Fernando Pessoa mudou-se, com a tia Anica e a sua família, para a Rua Pascoal de Melo e escreveu fragmentos da Teoria da República Aristocrática.

Em Março escreveu a Ode Triunfal, atribuída a Álvaro de Campos, que publicou como datada de Junho. Em seguida escreveu Opiário, poesia, igualmente de Álvaro de Campos.

Em Maio Sá-Carneiro retornou a Paris.

São de 12 de Junho as primeiras Odes de Ricardo Reis, segundo «heterónimo» pagão, discípulo de Caeiro.

A 25 de Agosto Sá-Carneiro deixou Paris.

A 8 de Setembro escreveu uma carta ao filósofo Sampaio Bruno, expondo o seu interesse pelo sebastianismo, mito do rei D. Sebastião, morto em Marrocos em 1578, rei que encarna a esperança lusitana, para além da história temporal.

Foi por esta altura que se deu a sua ruptura com a Renascença Portuguesa, que teria como causa próxima o desentendimento com Álvaro Pinto e com a direcção da Águia, devido ao desinteresse ou à recusa em publicarem o "drama estático" O Marinheiro. Outra hipótese seria a rejeição por parte dos homens da Águia, da sua obra já publicada. Depois da euforia criativa dos heterónimos, do Paúlismo e do Interseccionismo, a rejeição dos homens da Águia, que admirava e sobre quem tinha escrito páginas ditirâmbicas, tinha caído sobre a sua cabeça como um verdadeiro balde de água fria.

No Outono deste ano começaram as reuniões na Cervejaria Jansen, à Rua Victor Cordon, do grupo de que sairá «Orpheu».

Em Novembro a tia Anica partiu para a Suíça com a filha e o genro. Fernando Pessoa deixou a casa da Rua Pascoal de Melo, passando a viver novamente num quarto alugado. Atravessa uma profunda crise depressiva, mas a 21 de Novembro escreveu, numa página de jornal, que neste dia adquire plena posse do seu génio. "Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci."

Sai em Março de 1915 o primeiro número de «Orpheu», órgão do que se chamará depois o Modernismo, que irá abalar a sensibilidade de seu tempo. Acolhido com irritação e troça pela crítica e pelo público, que trazia entre outras coisas O Marinheiro de Pessoa, Opiário e Ode Triunfal de Campos. Os directores eram Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho. Outros colaboradores: Mário de Sá-Carneiro, Alfredo Pedro Guisado, José de Almada Negreiros, Armando Côrtes-Rodrigues e também Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho. Por blague o editor foi António Ferro, um dos mais novos do grupo. Não o podia ser legalmente, visto não ter ainda atingido a maioridade (tinha 19 anos, a maioridade nesse tempo era aos 21 anos).

Pessoa alugou um quarto na Rua D. Estefânia, n.º 127, r/c Dt.º (quarto alugado em casa de uma engomadeira).

De 4 a 21 de Abril colaborou no quotidiano «O Jornal» de Boavida Portugal, na rubrica Crónica da Vida que Passa, com seis crónicas. Em Maio publicou, no panfleto clandestino de João Camoesas, «Eh Real!», o artigo O Preconceito da Ordem.

Em 26 de Maio, na sequência das perturbações provocadas pelo Partido Democrático, de Afonso Costa, o presidente da República, demissionário, foi substituído por Teófilo Braga.

Em Junho saiu o segundo número de «Orpheu». Os directores eram Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Pessoa publicou Chuva Oblíqua e Campos a Ode Marítima.

Em Julho «A Capital» publicou uma local de tom sarcástico contra o grupo de «Orpheu», e Campos enviou ao director do jornal uma carta de resposta que termina com uma alusão irreverente ao desastre sofrido, havia pouco, pelo político Dr. Afonso Costa. Alfredo Pedro Guisado e António Ferro, indignados, abandonam «Orpheu»; Sá-Carneiro e Almada também se dissociam da atitude de Álvaro de Campos. É de crer que Fernando Pessoa não tenha ligado importância nenhuma ao caso, pois continuou a dar-se com todos estes amigos.

Em 11 de Junho Álvaro de Campos escreveu a Saudação a Walt Whitman, onde presta homenagem àquele que, através de Caeiro, reconhece como mestre.

Sá-Carneiro, voltou para Paris, de onde em 13 de Setembro escreveu a Pessoa anunciando-lhe que por motivos económicos o projecto de «Orpheu 3» ficava anulado. O pai de Sá-Carneiro financiara os dois números anteriores do Orpheu. Pessoa renuncia a publicar o n.º 3 da revista, apesar de já composto.

Para a Livraria Clássica Pessoa traduziu o Compêndio de Teosofia de C. W. Leadbeater, o que lhe reforça o interesse pelas doutrinas secretas.

Embora continuasse a escrever poemas atribuídos a Caeiro, considerava que o poeta pagão morrera em 1915.

Estado de depressão de Pessoa, agravado pela notícia da doença da mãe, que estava hemiplégica em Pretória, vítima de trombose. Pessoa estava desesperado.

Muda frequentemente de habitação em 1916: um quarto alugado na Rua Antero de Quental, outro na Rua Almirante Barroso, outro enfim na Rua Cidade da Horta.

Publicou na revista «Exílio» (Abril) o poema Hora Absurda.

São publicadas as suas traduções de obras de teosofia. Interessa-se igualmente pela astrologia e chega a pensar em fazer dela a sua profissão. Faz experiências de espiritismo. Parece experimentar realmente fenómenos de natureza mediúnica, do que deu testemunho na longa carta à Tia Anica, onde descrevia manifestações de escrita auomática.

Escreve as primeiras páginas de um livro que deveria chamar-se precisamente O Regresso dos Deuses, uma Introdução geral ao neopaganismo português, cuja autoria seria atribuída a outro «heterónimo», António Mora.

A 26 de Abril, depois de muitas vezes o ter anunciado, Sá-Carneiro suicidou-se em Paris, no Hotel de Nice, em Montmartre. Depois de convocar um amigo, José Araújo, para assistir à sua morte, toma cinco frascos de arseniato de estricnina, deitado na cama e vestido de smoking, tendo uma morte horrível. Tinha 25 anos. A notícia do desaparecimento trágico do amigo deixou Pessoa transtornado. É no dia seguinte, por um amigo comum, Carlos Alberto Ferreira, que Fernando Pessoa tem a notícia. Alguns dias depois, escrevendo a Côrtes-Rodrigues, comenta: Uma morte horrorosa... Uma grande desgraça!... Mas só muitos anos depois, contudo, um ano antes de morrer, em 1934, libertaria Fernando Pessoa, num poema que não chegou a dar por terminado e figurava entre os seus papéis, a mágoa profunda pela morte do companheiro: Não mais, não mais, e desde que saíste / Desta Prisão fechada que é o mundo, / Meu coração é inerte e infecundo / E o que sou é um sonho que está triste.

Em 22 de Maio Campos começou a escrever a ode intitulada Passagem das Horas, que contém a sua divisa: "Sentir tudo de todas as maneiras".

Em Outubro é publicada em revista a sequência de sonetos esotéricos intitulada Passos da Cruz, que aliás vinham sendo já trabalhados desde 1914.

A 14 de Abril de 1917 realizou-se, no Teatro República, a conferência «futurista» de Almada Negreiros, que causou escândalo. Em Novembro saiu o primeiro e único número de «Portugal Futurista» que continha poemas de Fernando Pessoa «ortónimo» e o Ultimatum de Álvaro de Campos. A revista foi apreendida pela polícia. Não viria a sair mais nenhum número.

Com Augusto Ferreira Gomes e o Eng. Geraldo Coelho de Jesus, Pessoa abriu um escritório de comissões e consignações na Rua de S. Julião, n.º 45, 2.º (depois transferido para a Rua do Ouro, n.º 87, 2.º).

Em Dezembro Fernando Pessoa passa a viver na Rua Bernardim Ribeiro, n.º11, 1.ºm

A 29 de Abril de 1918 morre Santa-Rita Pintor e a sua obra é queimada segundo a sua última vontade. Em Outubro morre Amadeo de Souza-Cardoso, vítima da epidemia da gripe espanhola.

Os três sócios, Pessoa, Ferreira Gomes e Coelho de Jesus, trespassaram o escritório de representações.

Pessoa publica em duas «plaquettes» do autor (com a indicação editorial «Monteiro & Co.»), os poemas ingleses Antinous e 35 Sonnets que em Setembro foram objecto da atenção da crítica britânica no «Times» e no «Glasgow Herald».

Pessoa passou a morar na Rua Sto. António dos Capuchos.

Em Janeiro de 1919, rebentou a revolta monárquica, imediatamente reprimida. Ricardo Reis, monárquico, exilou-se no Brasil, o que não impedia que o seu criador continuasse a escrever Odes assinadas por ele.

Em Abril publicou um ensaio político favorável ao "sidonismo", intitulado Como Organizar Portugal, na revista «Acção», órgão do Núcleo de Acção Nacional.

Escreveu os Poemas Inconjuntos de Alberto Caeiro, com a data fictícia de 1913-1914, por coerência diacrónica com a biografia do heterónimo, morto em 1915.

A 10 de Junho, que resolve dirigir-se a dois psiquiatras franceses, Hector e Henri Durville, ligados a um Instituto de Magnetismo Experimental. Está interessado em seguir o seu curso por correspondência sobre magnetismo pessoal, porque situa em deficiências de vontade o principal do seu problema. Descreveu-se a si próprio como "histeroneurasténico".

A 5 de Outubro faleceu em Pretória, onde estava colocado como Cônsul de Portugal, o seu padrasto, comandante João Miguel Rosa. Maria Madalena começou a tratar do regresso a Portugal.

Pessoa morava nesta altura na Avenida Gomes Pereira, em Benfica, dedicando-se à ensaística política.

Em 30 de Janeiro de 1920 é publicado na revista inglesa «The Athenaeum», dirigida pelo crítico John Middleton Murry, onde colaborava o melhor da nova geração literária inglesa da época, como Katherine Mansfield (sua mulher), Aldous HuxIey, T. S. Elliot, Bertrand Russel, Virginia Woolf ou Herbert Reado, o poema Meantime, e em «Ressurreição» o soneto Abdicação.

Por esta altura no escritório «Félix, Freitas e Valladas, Lda», de que era correspondente, conheceu Ophelia Queiroz, com a qual estabelece uma relação sentimental. Data de 1 de Março a sua primeira carta dirigida a Ophelia. Um dos patrões, Freitas, é primo de Pessoa.

Em 27 de Fevereiro foi publicado em revista o seu poema À Memória do Presidente-Rei Sidónio Pais.

Em 30 de Março, a bordo do navio Lourenço Marques, sua mãe e seus irmãos regressam definitivamente a Portugal. Prevenido da chegada iminente da mãe, dos irmãos e da irmã, a 28 de Março aluga um andar na Rua Coelho da Rocha, n.º 16, 1.º Dto., no bairro de Campo de Ourique, onde irá habitar com a mãe e os irmãos. É nesse prédio – hoje a Casa Fernando Pessoa – que vai residir até a morte.

Participava frequentemente, com o nome de A. A. Crosse, nos concursos charadísticos do «Times». Escreveu uma série de epitáfios em inglês.

A 15 de Outubro, com violenta crise de depressão, decide ir tratar-se numa clínica psiquiátrica, mas acaba por desistir.

A 29 de Novembro envia a Ophelia uma carta de rompimento: "O amor passou... O meu destino pertence a outra Lei, cuja existência a Ophelinha ignora, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permittem nem perdoam..."

Escreveu a série de poemas ingleses intitulada Inscriptions.

Em 1 de Janeiro de 1921 escreveu um poema que dá o tom de seu estado de espírito: "Cansa ser, sentir dói, pensar destrui..."

Fundou com alguns amigos uma casa editora e comercial, «Olisipo» (nome mítico de Lisboa, cujo fundador epónimo é Ulisses) onde irá publicar os seus English Poems: I - Antinous, II - Inscriptions e English Poems: III - Epithalamium e A Invenção do Dia Claro de Almada Negreiros. Esta «Olisipo» constitui aliás a sua segunda tentativa (depois da malograda Ibis) como editor.A 19 de Outubro dá-se a "noite sangrenta", em que são assassinados muitos fundadores da República.

Neste ano António Sérgio, Raul Proença. Aquilino Ribeiro e Jaime Cortesão fundaram em Lisboa a revista Seara Nova.

Colaborava em 1922 com assiduidade na revista «Contemporânea», fundada por José Pacheco, que fora o orientador gráfico do Orpheu e que estava muito ligado ao grupo. Aliás, a revista, editada com bom gosto, exemplo perfeito da estética do primeiro modernismo, é dominada pelos poetas e artistas "órficos", a que se juntam alguns novos. É contudo mais ecléctica. No primeiro número (Maio) saiu a novela O Banqueiro Anarquista; no terceiro (Setembro) António Botto e o Ideal Estético em Portugal. Este artigo irá provocar uma polémica resposta de Álvaro Maia no número quatro (Novembro) intitulada Literatura de Sodoma.

Em Outubro são publicados em revista doze poemas de Mar Português, que voltarão a aparecer na Mensagem.

Em Dezembro foi publicado em revista o poema esotérico Natal, cujo último verso lhe exprimia a fé gnóstica: "Não procures nem creias: tudo é oculto".

Em 1923 a Editora Olisipo publicou o folheto Sodoma Divinizada, assinado por Henoch (Raul Leal) que é alvo do ataque da Liga dos Estudantes de Lisboa. O folheto foi apreendido por ordem do governador civil e a mesma sorte coube às Canções de António Botto. Um grupo de estudantes católicos integristas ataca-o violentamente, tratando Leal de louco. Álvaro de Campos publicou em defesa dos amigos os opúsculos Sobre um Manifesto de Estudantes das Escolas Superiores de Lisboa e Aviso por causa da moral.

Em Março-Abril, Campos e, em seguida, o "próprio" Pessoa respondem aos estudantes. Pessoa, para defender Leal, exalta a loucura: "Loucos são os heróis, os santos, os génios ... "

Continuou a sua colaboração na «Contemporânea» onde publicou, entre outros textos, as Trois Chansons Mortes (n.º 7) e Lisbon Revisited, 1923 de Campos (n.º 8).

Em 17 de Julho assinou o protesto de intelectuais portugueses (entre outros: Raul Brandão, António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Luís de Montalvor, Jaime Cortesão) contra a proibição censória de Mar Alto de António Ferro.

Em Setembro escreveu muitas Odes de Ricardo Reis.

É neste mesmo ano, por outro lado, que Pessoa começa a trabalhar num novo poema de índole patriótica e mística, um poema longo, intitulado Quinto Império, que aliás só dará por findo em 1935.

A 13 de Outubro em entrevista concedida a um jornalista sobre "o futuro de Portugal", que foi profetizado por Bandarra, o Nostradamus português, no "Quinto Império": a vocação lusitana é a universalidade. "Ser tudo, de todas as maneiras".

Em 1924 falece o general Henrique Rosa, irmão do seu padastro.

Pessoa dedica-se à criação de uma nova revista, de inspiração clássica, que tem por molde a Grécia antiga e que Pessoa dirigiu com o pintor Ruy Vaz. Nela vai publicar as obras de três poetas pagãos: Caeiro, Reis e Campos.

Em Outubro foi publicado o primeiro número da «Athena», que contém, junto com um manifesto, vinte Odes de Ricardo Reis, até então inéditas.

Em Novembro saiu o segundo número da «Athena», que contém um elogio fúnebre de Sá-Carneiro e um ensaio de Campos.

Em Dezembro publicou-se o n.º 3 da «Athena»: Apontamentos para uma Estética Não-Aristotélica, de Campos, e elegias de Pessoa.

Foi também na «Athena» que Pessoa publicou as suas magníficas traduções de poemas gregos, de La Gioconda de Walter Pater, de dois contos de O'Henry, dos poemas finais de Edgar Poe e de A Decisão da Georgia, também de O'Henry.

Em Janeiro de 1925 saiu o n.º 4 da «Athena»: 23 poemas do Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, que tinham ficado inéditos, e traduções de Edgar Allan Poe.

Em Fevereiro saiu o n.º 5 de «Athena»: Poemas Inconjuntos, de Alberto Caeiro. Com o número de Fevereiro, «Athena» cessou a sua publicação.

No dia 17 de Março faleceu, na Quinta dos Marchais, na Buraca, em Lisboa, D. Maria Magdalena, mãe de Fernando Pessoa.

Em Abril, Pessoa começou a ser reconhecido; o jovem poeta José Régio, numa tese para um diploma de estudos superiores de Letras, apresentou-o como o maior poeta português contemporâneo.

A irmã Henriqueta e o marido, o coronel Caetano Dias, foram viver com ele.

A 31 de Agosto escreveu uma carta a um amigo sobre o seu estado psíquico, que o inquietava; novamente queria ser hospitalizado.

O poeta e crítico Mário Saa publicou o volume A Invasão dos Judeus, onde Pessoa era uma das personagens analisadas pelo bizarro ensaísta.

Em 16 de Novembro nasceu a sobrinha, Manuela Nogueira, filha de Henriqueta, hoje uma das poucas testemunhas do fim da vida do poeta.

Saiu em Janeiro de 1926 o primeiro número da «Revista de Comércio e Contabilidade» que Pessoa dirigia com seu cunhado, o coronel Francisco Caetano Dias, e onde Pessoa publicou o artigo A Essência do Comércio.

A 26 de Abril, Álvaro de Campos, após longo silêncio, escreveu o segundo Lisbon Revisited e o primeiro de uma série de poemas que exprimem a sensação do fracasso absoluto: "Se te queres matar, porque não te queres matar?"

Em Maio foi publicado em revista o poema O Menino da Sua Mãe, escrito alguns dias antes.

A 28 de Maio verificou-se o golpe militar que põe fim à Primeira República e instaurou a ditadura, dirigido pelo general Gomes da Costa, antigo chefe do corpo expedicionário português na Flandres. Por coincidência neste mesmo dia o «O Jornal do Commercio e das Colónias» publicou uma resposta de Pessoa a um inquérito de natureza política que tinha por título Portugal, Vasto Império, em que se propõe "renovar" o mito sebastianista..

A 4 de Junho Gomes da Costa instaurou uma ditadura militar.

Publicou em «Sol», n.º 1, a crónica: Um Grande Português - Narração exacta e comovida do que é o Conto do Vigário, e em «Contemporânea» (n.º 1, 3.ª série) o poema O Menino da sua Mãe.

Em Março de 1927 sai o primeiro número da revista «presença», dirigida por João Gaspar Simões e José Régio, órgão do que se virá a chamar Segundo Modernismo Português.

No terceiro número da «Presença», de 8 de Abril, no artigo Da geração modernista, José Régio reconheceu em Pessoa o Mestre da nova geração de poetas. A partir daqui, os homens da «Presença» valorizarão e estudarão cada vez mais o génio de Pessoa, em especial Adolfo Casais Monteiro e João Gaspar Simões, vindo este a escrever alguns anos depois a mais completa biografia do autor de Mensagem.

A 4 de Junho, Pessoa inicia a sua colaboração na «Presença» com o poema Marinha e Campos com Ambiente.

A 18 de Julho são publicadas na «Presença» algumas Odes de Ricardo Reis.

Em Janeiro de 1928 foi publicado o panfleto Interregno: Defeza e Justificação da Dictadura Militar em Portugal (O), manifesto político do Núcleo de Acção Nacional que devia ter saído anónimo, e que o autor acabou por renegar.

Em 15 de Janeiro, Campos escreveu Tabacaria, poema do fracasso e da resignação desesperada.

Em 15 de Março o general Carmona foi eleito presidente da República.

Abril-Setembro foi um período de criação intensa, em que Pessoa, Reis e Campos escrevem numerosos poemas, alguns dos quais seriam publicados em revista. Pessoa escreve também inúmeras páginas de prosa destinadas a ensaios políticos, que permaneceram todos inacabados.

Em 18 de Abril havia um novo governo, ainda presidido por um militar, mas cujo homem forte era o professor Oliveira Salazar, economista reputado, como Ministro das Finanças.

Em 12 de Agosto, Pessoa publicou o artigo O Provincianismo Português, no «Notícias Ilustrado».

De Setembro a Dezembro, Pessoa escreveu muitos poemas de inspiração nacionalista mística, que vão constituir a Mensagem.

Com José Pacheco, Mário Saa, António Botto e outros, Pessoa fundou a «Solução Editora».

Em 1929 organizou com António Botto uma Anthologia de Poemas Portuguezes Modernos.

Em 27 de Março escreveu Insónia, um dos poemas mais desesperados de Campos.

Em Junho saiu o primeiro estudo crítico sobre a poesia de Pessoa, da autoria de João Gaspar Simões.

Em Julho são publicados em revista dois fragmentos do Livro do Desassossego, "composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa."

A 2 de Setembro, por intermédio do jovem poeta Carlos Queiroz, sobrinho de Ophelia e amigo de Pessoa, a quem este ofereceu uma fotografia sua com a legenda "Fernando Pessoa em flagrante delitro" em que aparece bebendo, reacendeu a relação sentimental com Ophelia Queiroz. A 11 de Setembro escreve-lhe a primeira da segunda série de cartas de amor.

Em Dezembro recebeu um livro do "mago" inglês Aleister Crowley, e enviou-lhe os seus poemas ingleses.

A 11 de Janeiro de 1930 escreveu a última carta a Ophelia, na qual lhe enviava o Poema Pial. A carta termina com um "até logo". Desta vez, rompeu sem explicações, mas num dos escaninhos profundos da sua alma complexa, Fernando Pessoa nunca deixaria de amar Ophélia, embora à sua maneira, idealmente, conhecendo a impossibilidade que o afastava definitivamente de uma relação concreta, carnal, real. Durante meses, passara todos os dias junto da janela de Ophélia, para a ver ou lhe acenar cá de baixo. No dia de Natal deste ano de 1930, evoca-a com saudade, no poema que principia: Por trás daquela janela / Cuja cortina não muda / Coloco a visão daquela...

A 13 de Junho escreveu Aniversário, poema de Álvaro de Campos, publicado alguns dias depois na «Presença», datado ficticiamente de 15 de Outubro de 1929, já que Campos "nasceu" nesse dia (em 1890).

"Num domingo de Junho", num café da Baixa, encontrou, pela primeira vez, os jovens admiradores de Coimbra, Régio e Gaspar Simões, que ficaram desconcertados com a sua atitude.

A 29 de Agosto recebeu um telegrama de Crowley anunciando sua chegada.

A 2 de Setembro Pessoa recebeu em Lisboa a visita do famoso mago inglês Aleister Crowley, também conhecido nos meios ocultistas por Mestre Therion e A Besta 666, que depois desapareceu em circunstâncias misteriosas na Boca do Inferno, em Cascais. Sobre o episódio Pessoa foi entrevistado no «Notícias Ilustrado» de Outubro.

A 25 de Setembro deu-se o misterioso desaparecimento de Crowley, o que rende muito assunto aos jornais: atirou-se ao mar dos rochedos de Cascais. Inquérito da polícia. A Scotland Yard é avisada. Tudo não passa, afinal, de brincadeira, armada em conjunto pelo poeta e pelo mago, com a colaboração do poeta e também astrólogo Augusto Ferreira Gomes, muito amigo de Fernando Pessoa, o qual publicou um reportagem em estilo sensacionalista, no «Notícias Ilustrado». Pessoa revelará a Gaspar Simões que Crowley lhe escreveu da Alemanha após o "suicídio".

Intenso período de criação heteronímica.

Em Dezembro foi publicado na «Presença» o poema de Pessoa influenciado por Crowley, O Último Sortilégio, que ilustra a "magia da transgressão". Propõe a Gaspar Simões que publique também o Hino a Pã, do seu mestre e amigo, traduzido por ele.

Em Janeiro de 1931 publicou na «Presença» as Notas à Memória do Meu Mestre Caeiro, de Álvaro de Campos, e o poema VIII do Guardador de Rebanhos, poema este que celebra o Menino Jesus, deus pagão.

A 1 de Abril escreveu a Autopsicografia, a sua "Arte Poética"; nela define o poeta como aquele que "finge" os sentimentos expressos, ainda quando os sente realmente.

Publicou na «Presença» a tradução do Hino a Pã de Aleister Crowley.

Em Setembro foram publicados em revista cinco fragmentos do Livro do Desassossego.

Escreveu uma extensa carta a João Gaspar Simões na qual teorizava as suas opiniões quanto à «ficção» em literatura, manifestando um substancial e irónico desacordo em relação às teorias freudianas.

Foi neste ano que se deu a efectiva interrupção da sua relação sentimental com Ophelia (e não de 1930, como deixam crer as Cartas de Amor de Fernando Pessoa). Durante os primeiros três meses Ophelia escreveu-lhe doze cartas; a última era de 29 de Março.

Em Março de 1932 foi publicado na «Presença» o poema esotérico Iniciação, cujo último verso lhe afirma a fé gnóstica: "Neófito, não há morte".

Em 5 de Julho Salazar foi nomeado presidente do Conselho de Ministros.

Em 16 de Setembro envia sua candidatura ao cargo de conservador-bibliotecário no Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, em Cascais, apoiada por Pierre Hourcade e João Gaspar Simões. A candidatura foi posteriormente rejeitada.

Escreveu o prefácio do livro de poemas do amigo Elieser Kamenezky, Alma Errante.

Em Novembro publicou em «Fama», dirigida por Augusto Ferreira Gomes, o artigo O Caso Mental Português.

Também em Novembro, António Ferro, antigo companheiro dos tempos do Orpheu, que fora nomeado secretário da Propaganda Nacional, define o salazarismo como "política do Espírito", adoptando o título de uma conferência de Paul Valéry.

Em Fevereiro de 1933 Salazar promulgou a nova Constituição, que instituia o Estado Novo, corporativo e ditatorial.

Atravessava nesta altura outra profunda crise psicológica, mas não desiste do trabalho literário. Intensa actividade criativa, como «ortónimo», e crítica (copiou o original de Indícios de Oiro de Sá-Carneiro a fim de ser editado na «Presença» e escreveu um novo estudo sobre António Botto).

Em 11 de Março, António Ferro enviou a Pessoa o seu livro Salazar.

Em Abril publicou na «Presença» o poema intitulado Isto, que lhe completava a "Arte Poética": "Sinto com a imaginação...

Em Julho foi publicado o poema Tabacaria na «Presença».

A 8 de Julho escreveu o poema esotérico Eros e Psique.

Em 7 de Novembro, Campos escreveu seguidamente dois poemas contraditórios: Psicotipia, sobre a impossibilidade do amor, e Magnificat, em que se exprime uma esperança: "Sorri, minha alma, será dia!"

Em 19 de Dezembro, Campos escreveu o poema Dactilografia, em que exprime a ideia de que temos todos duas vidas, a verdadeira, que é sonhada, e a falsa, que é vivida.

De Janeiro a Março de 1934 concebeu a organização definitiva do livro nacionalista místico inicialmente intitulado Portugal; escreve os dez poemas que faltavam à colectânea.

Em Março, no ambiente de nacionalismo populista típico do salazarismo, retomou a composição de Quadras ao Gosto Popular, que iniciara de forma pouco sistemática um quarto de século antes. Viria a escrever mais de trezentas num ano.

A 26 de Março escreveu o poema sobre As Ilhas Afortunadas (onde D. Sebastião, o "Desejado", o rei "Encoberto", aguarda a hora do regresso). O livro Portugal ficava assim completo.

Em Maio foi publicado, na «Presença», Eros e Psique, precedido de um extracto do ritual iniciático dos templários, sobre a superação das contradições.

Em Outubro publicou Mensagem, título que substituiu Portugal, e concorreu com este volume ao prémio «Antero de Quental» do Secretariado de Propaganda Nacional, organismo dirigido por António Ferro, seu velho amigo e companheiro do tempo do Orpheu. Foi-lhe conferido o prémio de Categoria B, no valor de 1000$00, por uma pretextuosa questão de número de páginas. O prémio da Categoria A (volume superior a 100 páginas), no valor de 5000$00, foi atribuído ao sacerdote Vasco Reis pelo volume Romaria. O júri era composto por Alberto Osório de Castro, Mário Beirão, Acácio de Paiva e Teresa Leitão de Barros. Muita polémica se fez em redor desta situação, parecendo Fernando Pessoa subalternizado relativamente a um poeta de qualidade incontestavelmente menor. Não terá sido o júri, onde pontificava Mário Beirão, excessivamente legalista e rigorista para com Fernando Pessoa? Parece-nos que sim. O certo, no entanto, é que o presidente do júri, António Ferro, que só podia votar em caso de empate, imediatamente elevou o prémio atribuído à Mensagem, de 1000$00 para 5000$00.

Para além desta polémica, resta-nos contudo o testemunho do próprio Fernando Pessoa, num escrito encontrado no espólio e escrito em 1935: Publiquei em Outubro passado, pus à venda, propositadamente, em 1 de Dezembro, um livro de poemas, formando realmente um só poema, intitulado "Mensagem". Foi esse livro premiado, em condições especiais e para mim muito honrosas, pelo Secretariado da Propaganda Nacional.

Neste escrito, Pessoa faz teoria, explicando o conteúdo do seu patriotismo (a fraternidade patriótica), expondo o seu liberalismo e sugerindo o fundo rosa?cruciano do poema. Podemos interrogar-nos: porque diz ter sido o seu livro premiado em condições especiais, e para mim muito honrosas? Devido à intervenção pessoal de António Ferro? A tratar-se da primeira consagração pública e oficial da sua obra? Interrogações a que não é fácil dar uma resposta objectiva...

Em Dezembro prefaciou o volume Quinto Império, de Augusto Ferreira Gomes.

A 23 de Dezembro sai um artigo sobre Mensagem num jornal.

28 de Dezembro é publicado o poema esotérico Natal noutro jornal.

A 13 de Janeiro de 1935 escreveu uma extensa carta a Adolfo Casais Monteiro na qual lhe explica com pormenores, mais de vinte anos depois, a experiência do "dia triunfal" e a génese dos heterónimos. Noutra carta, de 20 de Janeiro, define-se como dramaturgo cujas diversas personalidades dialogam entre si. Apresenta também a heteronímia como exploração de seu próprio ser. "Não evoluo, viajo."

De Janeiro a Março entra num estado depressivo, doença e, sobretudo, cansaço, cansaço intenso, que é o tema de toda uma série de poemas de Campos. Bebia cada vez mais, vinho e aguardente.

A 4 de Fevereiro publicou no «Diário de Lisboa», de 4 de Fevereiro, o artigo Associações Secretas contra o projecto de lei do deputado salazarista José Cabral de proibir as "sociedades secretas"; nele toma a defesa da Franco-Maçonaria. Essa iniciativa assinala o seu rompimento com o salazarismo. É, por seu turno, violentamente atacado na imprensa. No entanto, na carta de 13 de Janeiro, e em trecho durante muito tempo não publicado, a seu próprio pedido, Pessoa afirmava: «Quanto à 'iniciação' ou não, posso dizer-lhe só isto, que não sei se responde à sua pergunta: não pertenço a Ordem Iniciática nenhuma.» Quer dizer, Fernando Pessoa, que tinha defendido publicamente a Maçonaria, não era (ou não se dizia) maçon.

Recusa-se a assistir à cerimónia de entrega dos prémios do Secretariado da Propaganda Nacional, presidida por Salazar.

Escreveu em 29 de Março o primeiro poema satírico contra Salazar.

A 30 de Março redigiu a sua nota biográfica, onde se apresenta como "conservador anti-reacionário", "cristão gnóstico" oposto ao catolicismo, membro da Ordem dos Templários". Foi encontrada entre os seus papéis após a sua morte.

A 5 de Abril a Assembleia Nacional aprovou por unanimidade o projecto que declarava a Maçonaria ilegal.

A 12 de Abril sai uma crítica elogiosa num jornal à Mensagem.

A 26 de Abril escreve um novo poema de Campos: "Estou cansado, é claro..."

A 27 de Abril escreve um poema em francês onde diz à mãe (morta há dez anos) que o seu "petit enfant est plein de larmes et de doutes".

Na Primavera veio a Portugal em viagem nupcial, depois de quinze anos de ausência, o irmão Luís Miguel. Pessoa manifestou-lhe a intenção de o ir visitar a Inglaterra.

A 2 de Junho escreveu a Elegia na Sombra, que exprime a profunda decepção que sentia ante a situação a que tinha chegado a pátria.

A 6 de Junho é publicada uma crítica hostil numa revista à Mensagem.

A 9 de Junho o governo organizou as Festas de Lisboa para celebrar os "santos de Junho" e conquistar assim as graças do povo; Pessoa escreveu, por seu turno, no mesmo dia, mas com espírito irreverente e corrosivo, três poemas sobre Santo António, São João e São Pedro.

A 29 de Julho escreveu mais um poema anti-salazarista.

A 22 de Agosto, Campos queixa-se num poema do "sono universal" que desce sobre ele e que é o "sono da soma de todas as desilusões".

A 17 de Setembro escreveu um poema patético do "próprio" Pessoa: "Mãe, não haverá um Deus que me não torne tudo vão?"

A 21 de Outubro escreveu o poema de Campos: "Todas as cartas de amor são rídiculas..." .

A 30 de Outubro decidiu não publicar mais nada em Portugal, para protestar contra o agravamento da censura.

Em Novembro, no número três de «Sudoeste», dirigida por Almada Negreiros, publicou o breve texto de recordações Nós, os de «Orpheu». Nele exalta a loucura de um dos companheiros de 1915, Ângelo de Lima, agora internado num manicómio. Campos colaborou no mesmo número com Nota ao Acaso, sobre a questão da sinceridade na poesia: é coisa que não existe.

A 26 de Novembro sofreu uma violenta crise de cólicas hepáticas.

Na noite de 27 para 28 de Novembro foi internado no Hospital de S. Luís dos Franceses onde lhe foi diagnosticada uma cólica hepática. É tratado pelo primo, o Dr. Jaime Neves. Na ausência da irmã Henriqueta, imobilizada no Estoril por um acidente, recebe a visita do cunhado, Caetano Dias.

A 29 de Novembro escreveu a sua última frase, a lápis e em inglês: «I know not what tomorrow will bring».

A 30 de Novembro, às 20 horas, segundo um testemunho, pediu os óculos, para ver melhor. Morreu às 20 horas e 30 minutos. Presentes o Dr. Jaime Neves e os amigos Francisco Gouveia e Vítor da Silva Carvalho.

Foi sepultado a 2 de Dezembro, pelas 11 horas, no Cemitério dos Prazeres, no jazigo da sua avó, D. Dionísia Seabra Pessoa (Rua 1, Dt. ª, n.º 4371), na presença de umas cinquenta pessoas. O elogio fúnebre foi lido pelo seu amigo Luís de Montalvor, companheiro dos tempos do Orpheu. O jornal Diário de Notícias de 03.12.1935, consagrou duas colunas ao acontecimento.

Em 1985, ano do cinquentenário da sua morte, mas no dia do seu nascimento, 13 de Junho, o corpo foi trasladado do Cemitério dos Prazeres para o claustro do Mosteiro dos Jerónimos.

Fonte: Jornal de Poesia


POEMA EM LINHA RECTA

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
    Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
    Indesculpavelmente sujo,
    Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
    Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
    Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
    Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
    Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
    Para fora da possibilidade do soco;
    Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
    Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

    Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
    Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
    Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

    Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
    Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
    Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
    Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
    Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
    Ó príncipes, meus irmãos,

    Arre, estou farto de semideuses!
    Onde é que há gente no mundo?

    Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

    Poderão as mulheres não os terem amado,
    Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
    E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
    Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
    Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

    Álvaro de Campos

TABACARIA [excertos]

    Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada.
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

    (...)

    Falhei em tudo.
    Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
    A aprendizagem que me deram,
    Desci dela pela janela das traseiras da casa.
    Fui até ao campo com grandes propósitos.
    Mas lá encontrei só ervas e árvores,
    E quando havia gente era igual à outra.
    Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

    Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
    Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
    E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
    Génio? Neste momento
    Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
    E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
    Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
    Não, não creio em mim.
    Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
    Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
    Não, nem em mim...
    Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
    Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
    Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
    Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
    E quem sabe se realizáveis,
    Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
    O mundo é para quem nasce para o conquistar
    E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
    Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
    Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
    Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
    Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
    Ainda que não more nela;
    Serei sempre o que não nasceu para isso;
    Serei sempre só o que tinha qualidades;
    Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
    E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
    E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
    Crer em mim? Não, nem em nada.
    Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
    O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
    E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
    Escravos cardíacos das estrelas,
    Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
    Mas acordamos e ele é opaco,
    Levantamo-nos e ele é alheio,
    Saímos de casa e ele é a terra inteira,
    Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

    (...)

    Vivi, estudei, amei e até cri,
    E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
    Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
    E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
    (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
    Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
    E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

    Fiz de mim o que não soube
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência
    Por ser inofensivo
    E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

    (...)

    Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
    Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
    E com o desconforto da alma mal-entendendo.
    Ele morrerá e eu morrerei.
    Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
    A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
    Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
    E a língua em que foram escritos os versos.
    Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
    Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
    Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

    Sempre uma coisa defronte da outra,
    Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
    Sempre o impossível tão estúpido como o real,
    Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
    Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

    Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
    E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
    Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
    E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

    Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
    E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
    Sigo o fumo como uma rota própria,
    E gozo, num momento sensitivo e competente,
    A libertação de todas as especulações
    E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

    Depois deito-me para trás na cadeira
    E continuo fumando.
    Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

    (...)

    Álvaro de Campos, 15 de Janeiro de 1928

segunda-feira

"Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver,
acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao
mundo e maior amor ao coração dos homens."

Fernando Pessoa, em "O Eu Profundo"

sexta-feira

contadores de histórias

Bou-bos contar uma histórias
Nela haveis de acreditar
Tenho ouvido tanta coisa
Nem sei como começar


ANIÑANDO


"Lo que más me importa en este mundo es el proceso de la creación. Que clase de misterio es ése que hace que el simple deseo de contar historias se convierta en una pasión, que un ser humano sea capaz de morir por ella; morir de hambre, frío, o lo que sea, con tal de hacer una cosa que no se puede ver ni tocar y que, al fín y al cabo, si bien se mira, no sirve para nada?"


Gabriel García Márquez


A EQUIPA

Mireia Scatti, Rita Rodrigues e Sofia Cabrita texto; Sofia Cabrita concepção e encenação; Matteo Destro máscaras; Mireia Scatti e Rita Rodrigues/Ana Sofia Paiva interpretação; Sara Franqueira concepção plástica; Paulo Santos desenho de luz; Ana Castanho Imagem Cartaz; António Cabrita vídeo promocional; Eurico Machado arranjo musical vídeo; Teresa Pombo produtora delegada; Carolina Marcolla directora de produção TEATRO EM BRANCO



Passagem de Testemunho



Rosalinas
, Setembro de 2007.


Rosalina Esteves do Seixal


(...) desde que a minha prima Rosalina de Lisboa me pediu para tomar conta da Monserrat que a minha vida mudou quase da água para o vinho, não haja dúvida. Ando diferente, não sei. Deve ser das saudades. (...) Onde é que eu ia? Ah, sim, a minha prima Rosalina, é isso! Pois, somos muito chegadas, e quando ela me pediu o favor de cuidar da Monserrat não pensei duas vezes. Não percebo é porque é que dizem essa coisa de nós termos um feitio muito diferente. Eu não acho nada, até fisicamente e tudo, somos iguaizinhas, filha, não vejo diferença nenhuma. A minha prima é tão calma, tão elegante, tão bonita! Eu não desfazendo também não estou nada mal. Ela foi sempre foi muito bonita, isso é verdade. E as fotografias que me enviava lá da Espanha, dela e da Monserrat, todas aperaltadas! Aquilo é que foi uma vida! Eram as duas bem bonitas, não haja dúvida. Espaviladas, como ela gosta de dizer! Mas onde é que e ia?... Ah, sim. Não acho nada que eu seja assim tão diferente da minha prima. Pronto, sou da outra banda, tenho assim um feitio mais arejado, mas também sou muito calma, não parece mas sou, e até tenho muita paciência, a sua tia Monserrat é que valha-me Deus, espreme a cabeça a um santo, de teimosa que é. Tenho muitas saudadinhas. (...)

Rosalina Esteves do Seixal

segunda-feira

Memórias de Antanho


caminhar em frente



sempre em frente










não posso adiantar palavras



apenas somar aqui momentos e pessoas

na certeza de que me faltam ainda rostos que somar




o regresso é inevitável

a Lua já vai alta
certamente já iniciou uma nova caminhada


memórias de uma serra que me tem cativa

"e pois nela vivo,
é força que viva."

quinta-feira

A Viagem de Chihiro



Always With Me

Somewhere, a voice calls,
in the depths of my heart
May I always be dreaming,
the dreams that move my heart

So many tears of sadness,
uncountable through and through
I know on the other side of them I'll find you

Everytime we fall down to the ground
we look up to the blue sky above

We wake to it's blueness, as for the first time

Though the road is long and lonely
and the end far away, out of sight

I can with these two arms embrace the light

As I bid farewell my heart stops, in tenderness I feel
My silent empty body begins to listen to what is real

The wonder of living, the wonder of dying
The wind, town, and flowers, we all dance one unity

Somewhere a voice calls in the depths of my heart
keep dreaming your dreams, don't ever let them part

Why speak of all your sadness
or of life's painfull woes
Instead let the same lips sing a gentle song for you

The whispering voice, we never want to forget,
in each passing memory always there to guide you

When a miror has been broken,
shattered pieces scattered on the ground
Glimpses of new life, reflected all around

Window of beginning, stillness, new light of the dawn
Let my silent, empty body be filled and reborn

No need to search outside, nor sail across the sea
Cause here shining inside me,
it's right here inside me

I've found a brightness, it's always with me

Yumi Kimura
in Spirited Away ou A Viagem de Chihiro